sexta-feira, junho 15, 2012

Colectividade Pacífica de Revoltados

"É um fenómeno curioso:
o país ergue-se indignado, moureja o dia inteiro indignado, come, bebe e diverte-se indignado,
mas não passa disto.

Falta-lhes o romantismo cívico da agressão.

Somos, socialmente, uma colectividade pacífica de revoltados." - Miguel Torga

Acima das possibilidades

Estes discursos sobre a crise na Europa fazem-me lembrar dos mesmos discursos que se começou a usar nos EUA quando a crise do crédito bancário atingiu. Na altura andaram a dar créditos a pessoas que não tinham possibilidade de comprar casa (ou de pagar o próprio crédito), e depois vendiam esses créditos a outras instituições como crédito de primeira categoria (crédito em que o risco de falta de pagamento é muitíssimo baixo). Os bancos diziam que imobiliário é algo que não desvaloriza e que o investimento era sempre bom. O que eles não disseram, é que o mercado imobiliário já estava sobvalorizado. Ora, quando a economia dos EUA começou a abrandar na altura do Bush, os pobres começaram a deixar de conseguir pagar o crédito, fosse por baixa de salários ou desemprego. Com os pobres a se lixarem e a ficarem sem casa, os bancos retomavam as casas...a um preço muito mais baixo do que tinham dito que valia. Com a enchente de casas no mercado, o preço das casas ainda caiu mais. Os bancos que detinham estes créditos começaram a se lixar porque não tinham nem dinheiro nem conseguiam vender as casas. Assim veio a queda de grandes bancos nos EUA. Na altura, o dedo estava apontado para os pobres. Esses gananciosos que tinham andado a comprar casas que não podiam pagar. Culpa deles claro. Hoje em dia o dedo continua a apontar para os pobres. Só que agora são os países mais pobres da Europa. Continua-se repetindo as mesmas palavras, "vivendo acima das suas possibilidades". É uma frase martelada nas nossas cabeças todos os dias. Vivemos acima das nossas possibilidades. Mas que possibilidades são essas? Nunca saímos da cauda da Europa. Nunca tivemos índices de desenvolvimento acima de qualquer país rico da Europa. Então que possibilidades foram essas que excedemos? Ter estradas decentes? Termos água potável? Electricidade? Esgotos? Escolas, universidades, hospitais, centros de saúde? Foram essas as extravagâncias? Foi ter um salário mínimo de 450€ as nossas loucuras? Foi ter dos salários médios mais baixos da Europa a nossa imprudência? Ou será que foi a destruição da frota pesqueira devido a políticas europeias? Ou será que é a Europa a pagar aos nossos agricultores para não cultivar? Ou será que foi a abertura das portas da Europa aos produtos chineses e indianos que destruíram a nossa indústria de calçado e texteis? Não podemos arranjar desculpas para as políticas falhadas do nosso país e a falta de vontade dos nossos governantes e cidadãos para mudar. Mas não somos os únicos culpados. A Europa é uma balança. Quando uns estão a ganhar demais, vai ter sempre outros a perder. Culpar os que perdem, é o mesmo que pensar que todos podem ganhar, é o mesmo que pensar que todos podem ser ricos. É um pensamento idiota, simples, e perigoso, porque minimiza os outros a preguiçosos e malandros, quando a verdade é que um varredor de rua vai sempre trabalhar mais que eu, e embora ele possa ser o melhor varredor de todos os tempos, será sempre um varredor de rua e nunca vai ganhar mais que o rico............a não ser que se mude as regras do jogo, se sejamos mais justos.